Coluna

Ricky Martin prateado

Do JC Online
Do JC Online
Publicado em 07/05/2010 às 16:52


Ricky Martin, de uns tempos para cá, ganhou uma nova aura. Mais brilhante. Se o objetivo aqui fosse ser maldoso, preconceituoso e ácido, se poderia dizer que ele está purpurinado. Coisa que se diz em mesa de bar, aos mais chegados, munido do direito de ser maldoso, preconceituoso e ácido que o humor entre amigos concede, para não deixar a piada escapar, que piada boa, hilária, é piada politicamente incorreta.

Dourado para Ricky seria uma cor imprópria do mesmo jeito, ligada à purpurina, carregada de iguais estereótipos. Rosa muito menos.

Prateado então? Também não é adequada, como nenhuma outra seria, nem qualquer rótulo. Mas o mundo real, pouco cuidadoso, insensível, em busca de provocar  risos, insiste em fazê-lo reluzir de uma maneira menor,
achincalhada, se lixando se cabe ou não cabe tal palavra.

Preconceito + criatividade = embaraço e boas gargalhadas. Não se abre mão da fórmula.

E as piadas explodem. Uma aqui, outra ali. Desde que Ricky se assumiu homossexual e resolveu jogar nos ombros a carga posterior à revelação, é só pipoco. O mais recente: \"Ricky Martin recebeu convite para vídeo pornô gay. Será mais un pasito p\' atrás na carreira?\"

Ninguém mais discute se sua voz é boa ou ruim, se sua música presta ou não, se ele dança bem ou engana. O importante é com quem ele se deita.

Alguém resistiu à tentação de inventar algo do tipo “Ele foi o último a saber” ou “Living la bicha loca”? Alguém não soltou um sorriso, mesmo que de leve, envergonhado, ao ouvir coisa parecida?

Ao menos, confesse-se, alguma frase clássica veio: “Eu já sabia!”, “Quem diria?”, “Que desperdício!”

O “Eu já sabia!” vem dos carimbadores de comportamento, munidos com a etiqueta macho, fêmea, gay, lésbica, limitando todos a uma padronização, compulsivos em lançar aqui e ali desconfianças. É, para eles, homem aquele com as atitudes de homem já formatadas. Dançar é suspeito, rebolar nem pensar, cabelo no gel é muito duvidoso, roupa apertada é certeza: gay.

Ninguém mais discute se sua voz é boa ou ruim, se sua música presta ou não, se ele dança bem ou engana. O importante é com quem ele se deita


O “Quem diria?” é dos que se recusam a se comprometer, passando-se por inocentes a todo custo, sempre sem fazer juízo algum do outro, que andam ao largo, discretos, tentando não se meter, não opinar, ficar na sua.

A turma do “Que desperdício!” é das chateadas, das que não se conformam em perder um cara bonito para outro, adoradoras da imagem do amante perfeito, ao verem-na desabar, revoltam-se pela traição imaginária, pois um príncipe tem que se casar com uma princesa.

Todos obedientes à heterossexualidade. Tomar outro rumo é erro. Erro que pode ser execrado ou compreendido e perdoado.

Execrado pelos com orgulho de ser preconceituosos, por sexo entre iguais ser pecado, que Deus não criou Adão e Ivo. Compreendido e perdoado pelos homofóbicos afáveis, aceitando por bondade as diferenças, por compaixão, mostrando-se modernos, evoluídos, tolerantes, mas querendo aquilo longe de seu parentesco.

Sobram os que se identificam, que tomam Ricky como exemplo de valentia, como a que queriam ter, mas jamais puderam, por covardia e por sobrevivência, ou puderam, fizeram o mesmo, e sabem o quanto foi complicado e ainda é.

Ricky se expôs sem ser forçado. Veio a notícia de supetão, em seu blog, por imposição pessoal, pela própria consciência. Não foi apanhado em atitude proibida, não ficou doente, não foi denunciado com provas irrefutáveis. Nada.

Só cansou do desconforto de se esconder. Aceitou-se. “Hoje é o meu dia, minha hora, meu momento”, escreveu.
Anos de silêncio e disfarce sepultados. Superou, inclusive, o medo de sepultar a carreira, de ser resumido a apenas aquele cantor assumido.

Medo compreensível. Ninguém mais discute se sua voz é boa ou ruim, se sua música presta ou não, se ele dança bem ou engana. O importante é com quem ele se deita.

Já se sabe que é com homens. A dúvida, há muito alimentada, está vencida. Quer agora se saber com quem. Se possível, quantos foram, famosos e anônimos. Vai se chegar ao extremo, ninguém duvide, de se questionar ser ele passivo ou ativo, os dois, se fica em cima ou por baixo.

Um dia, talvez, poucos ou, quem sabe, muitos, por interesse próprio, identificação, estima e consideração, perguntem se Ricky está feliz, aliviado, se foi vantajoso, se ainda se acha “abençoado”. Não que também seja da conta de ninguém, mas já se pula do carnal para o sentimento.

Por enquanto, talvez para sempre, os rótulos de colorido, purpurinado, prateado e outros piores hão de permanecer.

As piadas idem. Sem problemas. Bom humor, do bom mesmo, é fundamental para suportar tanto peso na vida. E rápido, para não perder a deixa, vem algum engraçadinho emendar: “Principalmente numa vida loca”.