Quantas cestas básicas valem sua vida?

Por Igor Maciel
Por Igor Maciel
Publicado em 22/06/2010 às 12:42

Acidentes acontecem. Motoristas derrapam nas curvas, por erro de cálculo ou por confiarem demais no veículo. Pneus estouram por contato com um prego ou qualquer outro material pontiagudo.

Eventos inesperados surgem e podem ser chamados de acidente. Imprudência gera acidentes. Defeitos mecânicos, problemas de saúde, condições meteorológicas geram acidentes. Falta de caráter, não. Porque o ato decorrente da falta de caráter e da falta de limites não é acidente, é crime.

Tomás Júnior tinha 10 anos, filho único, saía do estádio de futebol, de mãos dadas com o pai, após assistir um jogo do time pelo qual torcia.

Atravessavam a avenida e se dirigiam ao carro, estacionado em outra rua. Júnior apontava para uma camisa do clube de futebol, dizendo que um dia gostaria de ser jogador e vestir aquele uniforme. Foi a última frase que o pai ouviu da boca do filho.

Algumas horas antes, Douglas, 23 anos, começava o dia de domingo como estava habituado. Estudante universitário, ele costumava sair para beber pela manhã e sempre pegava o carro do pai emprestado. Gostava de exibir o veículo importado para os amigos e isso ajudava a impressionar as garotas. Não ouvia muito os amigos que avisavam sobre fiscalizações, lei seca ou sobre o risco de acidentes. Jovem, cheio de vida, ouvia sempre do pai que a juventude é isso mesmo, para se aproveitar. E era o que fazia.

Pena que o pai de Tomás nunca mais poderia dar um conselho desses depois do que aconteceu naquela tarde. Na tarde em que Douglas, dirigindo alcoolizado, encontrou Tomás Júnior. O pai também ficou machucado, mas nada muito grave. Tomás teve múltiplas fraturas, bateu a cabeça no para-brisa. Ficou vivo ainda por alguns minutos, respirava com dificuldade. O pai, com as pernas quebradas, pedia socorro.

Douglas fugiu, com medo, estava assustado. Em casa, contou que havia atropelado um garoto. O advogado foi chamado e o orientou a ficar em casa até que alguém o identificasse. Soube pela TV que o menino morreu e que conseguiram anotar a placa. A polícia apareceu e o prendeu. Fizeram teste de alcoolemia, estava embriagado. O advogado o tranquilizou: “...foi um acidente, no máximo vai responder em liberdade por homicídio culposo...”

Era verdade.

No fim, Douglas doou algumas cestas básicas, pagas pelo pai, e continuou a rotina de sair para beber, agora, com um carro novo. De acordo com a Justiça, uma compensação suficiente pelo filho que a outra família perdeu.

Considerar que o sujeito se enche de bebida alcoólica, sai dirigindo em alta velocidade e, ao atropelar um garoto de dez anos, não teve nenhuma consciência de que algo poderia sair errado, é quase uma auto-afirmação de insensibilidade. É contribuir para a violência no trânsito.

De acordo com a Justiça, uma compensação suficiente pelo filho que a outra família perdeu.

Homicídio culposo é quando se entende que você não tinha consciência da consequência que aquela ação poderia ter. Doloso é quando você sabe que pode matar, mas não põe fim à ação, segue com ela. Será que um jovem universitário de 23 anos, que estudou nos melhores colégios, com acesso aos meios de comunicação, ouviu falar do risco existente entre o consumo de álcool e a direção?

A diferença entre culposo e doloso também está na pena. O primeiro pode ter pena cumprida em liberdade, até com doação de cestas básicas. O segundo, só em regime fechado. Será que doar cestas básicas é suficiente para pagar pela vida de Tomás? Para compensar a dor que os pais da criança estão sentindo. Quantas cestas básicas valem uma vida?

Douglas é um produto da falta de punição do nosso sistema, da falta de responsabilidade dos pais, da falta de limites. Douglas é o resultado de uma cultura jurídica que privilegia aqueles que sabem encontrar brechas na lei.

 

Douglas é um dos monstros que nós mesmos criamos para nos atacar.

Nossa Justiça é um acidente. Douglas, não!