Dinheiro chega com dificuldade à Zona da Mata Sul

Por Igor Maciel
Por Igor Maciel
Publicado em 18/08/2010 às 14:36

O helicóptero pousa em meio à lama. O presidente, imaginado inalcançável, desce da aeronave e caminha, de botas, enfiando o pé nos escombros do que restou, após uma enchente devastadora.

Essa cena foi vista em junho deste ano. No município de Palmares, Mata Sul de Pernambuco, Lula e o governador Eduardo Campos caminhavam pelas ruas destruídas, consolavam moradores e o presidente, entre lágrimas, garantia ajuda financeira para reconstruir a região.

Além de ser pai do cantor e compositor Chico Buarque, Sérgio Buarque de Holanda foi um sociólogo respeitadíssimo e um dos que melhor conseguiu definir a personalidade do povo brasileiro. Poderia ter dado aulas ao presidente.

Em seu livro mais famoso, Raízes do Brasil, Sérgio classifica o brasileiro como “homem cordial”. Mas se engana quem pensa que a expressão tem significado na polidez do povo tupiniquim. “Cordial”, nesse caso, vem de “coração”. O brasileiro necessita da intimidade, da amizade de quem nem conhece, mesmo quando só precisaria dispor do trabalho, do serviço, da ação.

Quando Lula desce de helicóptero, faz promessas e chora, deixa de ser o Presidente da República, torna-se o Lulinha, amigo do povo. Depois disso, cumprir ou não as promessas é questão de detalhe.

A situação cabe ainda uma outra observação. Esta feita pela cientista social e historiadora Amneris Maroni, quando fala sobre o “faz de conta” que vivemos: “Todo mundo hoje em dia parece fazer de conta: eu faço de conta que trabalho, você faz de conta que me paga bem, eu faço de conta que atendo o meu cliente, o cliente faz de conta que é atendido. E assim por diante. Quando, por ventura, alguém não quer mais brincar de fazer de conta, há uma espécie de curto-circuito do sistema”.

Pois é esse curto-circuito que se desenvolve atualmente na Mata Sul do Estado. No dia 24 de junho, em coletiva, logo após pisar na lama de Palmares, o presidente garantiu a liberação de verbas e a flexibilização da burocracia.

275 milhões de reais foram destinados para Pernambuco. O dinheiro chega com dificuldade e a prova está na lentidão com que famílias desocupam abrigos, porque ainda não têm para onde ir. Está na quantidade de barracas improvisadas, onde ainda moram centenas de pessoas em Barreiros e Palmares. Está nos hospitais destruídos e nas escolas improvisadas.

Pior, enquanto o dinheiro pinga, a conta-gotas, para as famílias que tiveram casas e vidas destruídas, comerciantes amargam prejuízos incalculáveis. A economia das cidades foi afetada. Comerciantes, que sobreviviam de pequenas e médias empresas perderam lojas, mercadorias, perderam clientes. Se a água levou os produtos. A falta de dinheiro afastou os compradores. Não há circulação de dinheiro no varejo.

Lição básica de economia moderna: uma região que só tenha grandes empresas vai estar fadada ao emprego assalariado e isso acorrenta o desenvolvimento do mercado local. A Índia ensinou isso. O microcrédito é a melhor forma de desenvolver uma região, distribuindo melhor os recursos, pulverizando ao máximo o investimento.

Lula sabe disso. Foi nessa gestão que o microcrédito tomou força no Brasil. Mas as dificuldades para se conseguir um empréstimo nas cidades atingidas pela cheia, argumentam ao contrário. E não é falta de dinheiro. É falta de planejamento.

Ontem, o Banco do Brasil liberou cerca de R$ 2 milhões de reais para os comerciantes de Barreiros e Palmares. O problema é que a verba já tem destino certo: 50 empresários, pré-cadastrados junto ao banco. Dá mais de R$ 40 mil pra cada empresário. E o restante do povo, dos pequenos comerciantes, das micro empresas? Gente que precisa de pequenas quantias para recomeçar. Boa pergunta.

Outra boa pergunta: quando será liberado o restante da verba prometida pelo Governo Federal para os comerciantes da mata sul? Ao todo foi prometido R$ 1 bilhão. Faltam “apenas” R$ 998 milhões. Se, passados dois meses da tragédia, apenas R$ 2 milhões foram liberados, vai ser preciso muita paciência.

O pai de Chico Buarque, dando exemplos sobre o “homem cordial” dizia que no Brasil o povo tinha uma forma estranha de reverenciar os santos, com uma intimidade diferente do respeito que outros povos costumam ter pelas divindades. Aqui, se coloca Santo Antônio de cabeça pra baixo quando ele não faz o que se pede, aqui Santa Teresa de Liseux, é conhecida como “Santa Terezinha”.  E, saindo da religiosidade, aqui o presidente Luiz Inácio da Silva é conhecido como “Lula”.

Talvez fosse o caso de colocar o presidente de “cabeça pra baixo”.