Superação

Coronel do Exército Brasileiro percorre maratona do Sertão até a capital de Pernambuco

Elton Braytnner
Elton Braytnner
Publicado em 05/03/2018 às 15:55

Israel Gomes Barbosa Neto, 47 anos, ultramaratonista, triatleta e coronel do Exército Brasileiro
Foto: Arquivo pessoal

Israel Gomes Barbosa Neto, 47 anos, ultramaratonista, triatleta e coronel do Exército Brasileiro. Natural do Recife, capital de Pernambuco, recentemente realizou um feito: disputou 20 maratonas em 20 dias. O projeto fez parte do 'Pernambuco em 20 Maratonas', que teve como principal objetivo motivar estudantes da rede estadual de ensino, por meio de palestras que incentivassem a prática esportiva e a redução da evasão escolar.

Em 20 dias, muitos quilômetros foram precorridos pelo ultramaratonista que realizou o feito com êxito. Além da superação pessoal, Israel ajudou crianças de várias escolas que tiveram a oportunidade de ser motivadas através da força de vontade de um homem que lutou muito para estar aonde está. Mas essa motivação vem de muito tempo atrás. O coronel tinha uma dívida com o passado.

A origem da ideia

Quando era adolescente, Israel decidiu que estudaria para realizar um grande sonho: ser oficial das Forças Armadas. Ele
falou com a mãe, Dona Diva, que deu todo apoio, o matriculando em um cursinho preparatório para concursos, do Recife. Após quatro meses, o pai do então adolescente disse que não poderia mais arcar com aquela despesa. Mas Israel não queria ver seu sonho acabar naquele momento. Ele procurou a direção do cursinho e avisou que aquele seria o último mês em que estaria ali. O dono do curso, o coronel Mauro, ao ouvir que o jovem estava se desligando, o informou que ele iria continuar sem pagar nada. Mas, com uma condição: de que quando ele estivesse no topo da carreira militar, e tivesse atingido seus objetivos, lembrasse de ajudar os jovens menos favorecidos, fazendo algo por eles. Essa proposta marcou o atual coronel. "Daí surgiu a minha obrigação de replicar essa importante e decisiva atitude solidária em minha vida", relembra.

Ao longo de 30 anos de Serviço Militar, Israel dividia as obrigações ajudando crianças e adolescentes, apoiando-os para que tivessem sucesso nos estudos. Mas para ele era pouco. Motivado a fazer algo mais significativo e que pudesse mudar a vida de jovens, no ano de 2016 ele passou a planejar um projeto que conciliasse corrida, superação, disciplina, estudos, perseverança, cidadania, vontade de vencer e outros atributos que poderiam mudar a vida de muitos jovens. Surgia aí a ideia para o projeto no qual ele iria correr de Petrolina ao Recife em 20 dias, sendo uma maratona por dia, sempre no turno da manhã. No turno da tarde, palestras para estudantes da rede estadual de ensino seriam realizadas.

As maratonas

Ideia aprovada, era hora de executar o projeto. Desde 2009 que o coronel fazia atividades físicas. Mas, antes de seguir para o desafio, participou de algumas maratonas para garantir o fôlego. Natação, bike e musculação foram incluídas na rotina de treinos. "Passei a ser um triatleta. Isso foi muito bom para minha harmonia física", disse. A primeira maratona aconteceu no dia 31 de outubro de 2017, com largada em frente ao quartel do Exército 72º BI Mtz, em Petrolina, no Sertão de Pernambuco. Já a chegada da 20ª maratona ocorreu na Arena de Pernambuco, no dia 19 de novembro, às 11h, como parte do encerramento das olimpíadas Criança Cidadã, que reuniu 40 escolas públicas da Região Metropolitana do Recife. Profissionais de diversas áreas estiveram com o coronel durante toda a preparação para o projeto. "Posso garantir que a preparação foi intensa, apesar de sempre achar que poderia ter sido melhor", revela.

Durante os 20 dias que se passaram, muitas dificuldades e muita superação. "Eu tinha certeza que as primeiras maratonas seriam as piores, pois além do corpo ainda não ter se adaptado plenamente aos desgastes excessivos de maratonas sucessivas, as temperaturas no Sertão estariam bem mais altas que em áreas como o Agreste e Zona da Mata", explica. E ele não estava só, três pessoas pessoas formavam uma equipe com ele: um motorista, segurança e assessor de meios audiovisuais nas palestras; um especialista em foto, filmagens e marketing esportivo e uma bióloga, que cuidava desde a alimentação (ela seguiu orientações nutricionais descritas por uma nutricionista), suplementação, proteção solar, crioterapia, captação de dados para o livro, até a adequação das palestras à realidade de cada escola.

Foram 844 km de asfalto, corridos em 20 dias.
Foto: Arquivo pessoal

Logo nos primeiros dias, uma lesão no tendão de Aquiles esquerdo trouxe além de muitas dores, a incerteza sobre o a conclusão do trajeto. Mas isso foi incapaz de pará-lo. Geralmente as maratonas iniciavam às 6h e eram concluídas por volta do meio-dia. O projeto seguia ganhando mais seguidores e admiradores. O reconhecimento logo veio através da popularização nas redes sociais e por por pessoas que circulavam pelas estradas por onde Israel passava. Em vários momentos o ultramaratonista foi parado por carros e até mesmo caminhões, para "selfies" com motoristas e passageiros. "Esse contato com fãs do projeto chegava a alongar um pouco o tempo das maratonas, mas servia como um valioso instrumento motivador, para seguir em frente, mesmo com o corpo sentindo dores e pedindo para parar", relembra.

Palestras e recordações

O coronel lembra com muito carinho as recepções nas escolas por onde passou com sua equipe. De acordo com ele, um dos momentos mais emocionantes das 20 jornadas foi a recepção que teve em duas instituições: Escola Napoleão Araújo, no Distrito de Bom Nome, em São José do Belmonte, no Sertão e o EREM Antônio Farias, no município de Gravatá, no Agreste de Pernambuco. "Essas duas escolas conseguiram arrancar lágrimas dos meus olhos", recorda. Houve dias em que ao terminar a maratona, não havia tempo para que o coronel e a equipe se instalassem em um hotel ou mesmo almoçassem. Eu e minha equipe íamos direto para a escola prevista para a palestra. "Não era nada fácil esse tipo de situação, mas era preciso, para que os alunos não ficassem nos esperando", detalhou.

Palestras tinha o objetivo de incentivar a prática esportiva e de reduzir a evasão escolar.
Foto: Arquivo pessoal

Cada maratona homenageava um município ou distrito localizado no percurso. A 18ª maratona foi marcante para Israel. Tratava-se da Maratona de Gravatá, mas que foi batizada de "Maratona Coronel Ronaldo", em homenagem ao amigo dele, que havia falecido poucas semanas antes do projeto começar. Perto de concluir o desafio, no dia 19 de novembro, acompanhado por 40 maratonistas, que representavam cada uma das palestras, o coronel chegou à Arena de Pernambuco, cheio de orgulho e o coração repleto de gratidão e felicidade. "Chegar à Arena de Pernambuco cercado de dezenas de grandes colegas maratonistas e acolhido por familiares, amigos, pelo público e por centenas de alunos da rede pública de ensino, foi uma das maiores sensações que tive na vida", revelou. E lá, ele levantou o troféu que representava um sonho grandioso, que diz ser do tamanho de Pernambuco. "Me fez lembrar do semblante de sonhos e vontade de vencer de cada um dos milhares de alunos para quem levamos a mensagem do projeto", contou.

Legado e posteridade

O feito deixou vários legados. No aspecto físico, foram quase 60.000 kcal, o que significa dizer que o triatleta "realizou lipoaspiração", sem gastar e sem o complicado pós-operatório, pois eliminou 4,5kg e reduziu a cintura abdominal em mais de 10 cm. Quando questionado sobre em que o desafio o fez refletir, ele avalia bem. "No aspecto psicológico, as 20 maratonas me ensinaram ainda mais. Ratifiquei que por maior que seja a dor, o cansaço, o desconforto e a fadiga, nunca devemos deixar de lutar por um objetivo que queiramos alcançar", disse. Para ele, cada maratona foi única. "Em cada uma delas, convivi com um imponderável diferente, apesar das experiências que iam se somando", destacou. Houve até dias de chuva no Sertão e isto surpreendeu Israel que vinha sentindo na pele o forte calor provocado pelo sol.

Em números, o projeto contemplou mais de 10 mil alunos com 60 horas de palestras motivacionais em 20 cidades. Além disso, foram 844 km de asfalto, corridos em 20 dias, em aproximadamente 130 horas de corrida. Para cumprir a missão, o coronel contou com um veículo de apoio e três staffs, que se revezavam nas diversas missões para garantir que ele pudesse correr as maratonas e realizar as palestras da melhor forma possível.

E não para por aí, de acordo com Israel, o projeto está em pleno andamento, por meio do seu principal objetivo, que são as palestras motivacionais. Em 2018, escolas públicas continuarão sendo contempladas pelo projeto, conforme planejamento e coordenação da Secretaria Estadual de Educação que o apoia. Para registrar o incrível feito, Israel começou a escrever um livro onde irá detalhar cada momento dessa aventura. O lançamento está previsto para o ano de 2019.