Caruaru: Desafios e Projeção

Falta de vagas em creches e problemas de estrutura arranham educação em Caruaru

Ana Maria Miranda Carolina Pinto e Vanessa Pereira
Ana Maria Miranda
Carolina Pinto e Vanessa Pereira
Publicado em 03/04/2019 às 15:18

Escola Maria Alice, no Sítio Jacaré, funciona de forma improvisada na antiga Associação de Moradores
Foto: reprodução/TV Jornal Interior

De segunda a sexta-feira, a dona de casa Maria Aparecida e o filho Damião Ferreira, de 10 anos, têm a mesma rotina. Moradores do Sítio Jacaré, na zona rural de Caruaru, no Agreste de Pernambuco, mãe e filho saem da residência simples e caminham por cerca de sete minutos até a Escola Maria Alice, onde ele estuda há cinco anos. A instituição de ensino funciona em um imóvel que antes era a Associação dos Moradores do sítio. O prédio antigo da escola, que ficava a alguns metros de distância, foi demolido com a promessa de reconstrução, o que até agora não aconteceu.

Em casa, Damião faz queixa para a mãe da falta de estrutura do anexo, que funciona de forma improvisada. As bancas, o quadro e armários são posicionados de forma que várias "salas" funcionam em um mesmo espaço, sem paredes, assim como a cantina. O teto é feito de telha brasilit, o que faz com que o ambiente esquente muito, principalmente no período da tarde. A insuficiência de ventiladores e a falta de uma área de lazer são outros pontos negativos apontados pelos estudantes. "Ele reclama da quentura, reclama que aqui tem morcego, não tem parque para eles brincarem, não tem nada de bom aqui", lamenta a dona de casa. Sem condições de transferir o menino de escola, Maria Aparecida espera que a situação seja resolvida. "A gente é agricultor, a gente é pobre, o que a gente pode dar aos nossos filhos é o estudo. Se nós não puder dar o estudo a nossos filhos, o que vai ser deles?". Para o menino, é difícil prestar atenção na aula, já que o ambiente é quente e barulhento, além de ter bichos: "Lá tinha pátio pra gente brincar e não tem aqui. Tem barulho, é difícil de escutar".

Professor há 12 anos, Claudionor Sobral já passou por escolas da zona urbana e rural de Caruaru e percebe as diferenças nas estruturas das instituições a depender do endereço. Ele lecionou na Escola Tabosa de Almeida, em Terra Vermelha, e hoje ensina no colégio do bairro São João da Escócia. "As secretarias de educação têm um olhar diferente para o aluno da zona urbana e para o do campo. É uma única rede, mas existe um tratamento diferente", opina, demonstrando incômodo.

Claudionor avalia que a zona rural não tem o mesmo acompanhamento pedagógico e a estrutura também é diferente. Ele afirma que até o material didático dos alunos do campo não condiz com o utilizado na zona urbana. O professor lamenta que precise comprar apagador, papel, lápis e outros materiais para utilização em sala, uma vez que o município não os fornece.

Projeto Letramento Digital é uma das novidades da gestão para a educação
Foto: reprodução/TV Jornal Interior

A rede municipal de Caruaru conta atualmente com quase 42 mil alunos; 38 mil dos quais estão matriculados em escolas e 3,3 mil em creches. São 138 unidades de ensino, sendo 21 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e 117 escolas. Da totalidade de instituições de ensino, 22 passaram por requalificações nos últimos dois anos. A secretária de educação, Marta de Medeiros, aponta que a equipe da pasta abraça o movimento Juntos pela Educação, que tem como objetivo fazer melhorias na rede municipal e diminuir a evasão escolar. "Hoje nós temos uma realidade motivadora no município de Caruaru. Temos 22 escolas totalmente requalificadas. Isso nos traz um resgate de todos os espaços das escolas sendo preparados para atender todos esses estudantes", destaca. A reforma de outras instituições de ensino está no planejamento estratégico de entrega. As obras foram paradas por motivos administrativos, que estão sendo resolvidos.

Marta de Medeiros destaca o projeto letramento digital, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Instituto Ayrton Senna, como uma das novidades da gestão. Este ano, 5 mil estudantes em 32 escolas serão beneficiados; cinco destas são rurais. "As crianças precisam interagir com os recursos disponíveis e ter a criticidade de perceber se o que está chegando a ele é verdadeiro e possa criar jogos coletivamente através de temáticas da escola e soluções para o problema discutido no laboratório", defende a secretária.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Caruaru (Sismuc), Eduardo Mendonça, mesmo com a requalificação de algumas escolas, vários problemas ainda precisam ser resolvidos. Entre os principais que afligem o sindicato é o plano de cargos e carreiras, que apesar de ter sido reformulado em 2013, na gestão do prefeito José Queiroz (PDT), nunca foi aceito pelos educadores, já que integralizou as gratificações aos salários, provocando perdas nos vencimentos. Durante a campanha eleitoral, a prefeita Raquel Lyra (PSDB) foi uma das que assumiu o compromisso de reformular o plano.

Uma ação no Tribunal de Justiça movida pelo sindicato pede a desintegralização das gratificações. Eduardo Mendonça afirma que pode existir um cenário em que dois professores façam o mesmo trabalho e um receba 1/3 do valor recebido pelo outro. Além disto, alguns dos professores que assumiram o cargo após a aprovação do PCC vigente recebem até 30% a menos do que os professores que começaram a trabalhar com o plano anterior. "Às vezes a pessoa não quer externar isso, mas no seu íntimo, ele está lá, a autoestima está baixa. Ele produz igual, às vezes mais do que o outro, para ganhar um salário mínimo", relatou. O presidente do Sismuc reivindica ainda melhores condições de trabalho, como maior segurança nas escolas.

A pós-doutora em Educação Allene Lage vê a valorização dos professores como fundamental para a qualidade da educação. "É impossível a gente pensar que um professor vai desempenhar sua função com muita qualidade quando ele tem o salário baixíssimo, ele precisa ter mais de um emprego e ele não tem condições de comprar livros e outros materiais que ele necessita para se capacitar", ressalta.

A formação continuada também é importante para uma boa educação, para que os educadores estejam atualizados. Material didático de qualidade, instalações físicas adequadas e o número de alunos por sala são alguns dos elementos que influenciam no sucesso da educação apontados pela especialista. "A educação vai modificar as condições estruturais de uma sociedade. Sem educação, não há uma sociedade desenvolvida. É necessário destinar recursos para investir na educação com a perspectiva de um futuro melhor para o município", avalia.

O Ministério da Educação (MEC) definiu um valor anual mínimo nacional por aluno em R$ 3.238,52 para o exercício de 2019. O cálculo tem como base os anos iniciais do ensino fundamental urbano. Dividido por 12 meses, dá R$ 269,87 por mês por aluno, valor insuficiente para suprir todas as necessidades dos estudantes. Por isto, é necessário que o município destine mais da verba orçamentária para a educação.

Deficiência no número de creches ainda é realidade

Deficiência no número de creches ainda é uma realidade em Caruaru
Foto: reprodução/TV Jornal Interior

Nas eleições de 2016, a atual prefeita, Raquel Lyra, tinha como uma das principais propostas de governo a abertura de 8 mil vagas em creches. Os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) recebem crianças a partir de quatro meses até três anos completos. Atualmente, são 21 creches e 3,3 mil vagas. Portanto, ainda faltam cerca de 5 mil vagas.

Quem sofre com essa deficiência são, principalmente, as crianças e as mães. A estudante Eduarda Calado, de 20 anos, está esperando a abertura da creche do Sítio Murici, na zona rural, desde 2017. No período em que estuda, à noite, o menino fica com a sogra. Atualmente ela está desempregada, mas mesmo que conseguisse trabalho, não teria com quem deixar o filho Wilames, de 11 meses. "Tem uma escolinha paga, só que nem todo mundo tem condições, e não pega a partir de um ano, só a partir de dois anos", relatou.

A promotora da Infância e Juventude Sílvia Amélia avalia como grave a falta de vagas na educação infantil e no ensino fundamental. "As pesquisas mostram que o cérebro da criança precisa dos estímulos corretos para se desenvolver plenamente para a cidadania. Se ela perde a educação infantil, as chances de que ela seja um adulto com cidadania plena são diminuídas", pontuou. Em 2014, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) entrou com uma ação para que o município conseguisse construir 17 creches. A partir da decisão, foram construídas cinco. Outras continuam em obras: "Há muito o que fazer para que seja garantida a educação em Caruaru". O Ministério Público continua acompanhando o processo.

A Secretaria de Educação informou que foram entregues quatro creches novas nos últimos dois anos: Ivanise Flora; José Pinheiro dos Santos; Severino Oliveira da Silva - Professor Biu Oliveira; e Guiomar Lima. Já a Secretaria de Obras divulgou que 10 novas creches estão em fase de finalização, incluindo a do Murici; uma está com as obras para iniciar e outras duas - Prefeito Anastácio Rodrigues e Tia Lourdinha - serão ampliadas.