Expulso da igreja, Padre Cícero continua sendo venerado por milhares de fiéis

Conheça a história do padre que até hoje aguarda perdão da igreja

Jailma Barbosa
Jailma Barbosa
Publicado em 06/04/2020 às 16:05
Flávio Lima/TV Jornal Interior
FOTO: Flávio Lima/TV Jornal Interior

Padre Cícero Romão Batista: um sacerdote responsável por transformar a maneira de viver a fé no Nordeste. O padre é uma lenda, diante de tanta devoção de peregrinos que aprenderam com ele a fazer romarias em sinal de penitência e gratidão. O mito que é venerado como santo por milhares de católicos fiéis e a ele são atribuídas curas e milagres.

Mas como um padre de uma pobre e esquecida região do País consegue, até hoje, 90 anos após a morte, manter a fidelidade e veneração de tantos devotos? Talvez a resposta seja predestinação. Conheça a história do padre na primeira reportagem do "Roteiro da Paixão: histórias de fé em Juazeiro do Norte - CE".

Padre Cícero nasceu no Crato (CE), no dia 24 de março de 1844, em uma família de comerciantes. Tinha tudo para ganhar a vida tocando os negócios do pai. Acontece que o menino estudioso e curioso queria ir além.

Aos 12 anos fez voto de castidade, inspirado na história de São Francisco de Sales, o santo considerado doutor da Igreja, que também fez esse voto muito jovem, e tinha como principais virtudes a paciência e a gentileza.

Não demorou muito e seguindo os conselhos do padre mestre Ibiapina, um famoso e caridoso padre missionário do Nordeste no século XIX, ingressou no seminário diocesano, em Fortaleza (CE), e em 1870 foi ordenado padre. Celebrou a primeira missa no dia 8 de janeiro de 1871, no Crato, mas foi o povoado de Juazeiro que o encantou.

Padre Cícero decidiu fazer dali um lugar onde a fé e as obras seriam sinônimo de desenvolvimento. Incentivador do bem e do trabalho, conselheiro respeitado na região, padre Cícero fazia pregações, visitas e caridade que chamavam a atenção. Atraía até a elite do Ceará da época, que o procurava para pedir ajuda espiritual.

Milagres

A fama se espalhou e, logo, ele já era o mais influente padre do Nordeste. Até que aconteceu o que a história conta como primeiro milagre. Em 1889, o acontecimento marcou para sempre a história religiosa dele.

Era Semana Sata e, durante uma missa, a hóstia consagrada por padre Cícero se transformou em sangue na boca da costureira e beata Maria de Araújo. O fato se repetiu 104 vezes. As toalhas que limpavam a boca da beata se tornaram objeto de veneração. Após investigação, dois exames foram favoráveis ao milagre. No entanto, um terceiro parecer deu negativo, e os especialistas da Igreja Católica não reconheceram o fato.

Padre Cícero foi acusado, entre outras coisas, de forjar um milagre, e teve suspensas as funções de padre. Quando à beata Maria de Araújo, passou a viver reclusa, e morreu em 1914. Teve o túmulo violado e os restos mortais sumiram.

Expulso da igreja, padre Cícero não se afastou do povo: lutou e usou toda sabedoria e influência para continuar a mudar a vida dos sertanejos. Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado a cidade. Foi prefeito por 14 anos e não parou por aí.

Sedição de Juazeiro

Participou do episódio conhecido como a sedição de Juazeiro, um conflito no qual as tropas do Governo do Ceará, em 1914, tentaram tomar a cidade. Liderados por padre Cícero e pelo deputado federal Bartolomeu Floro, os juazeirenses venceram uma guerra sem armas. Fizeram uma enorme vala no entorno da cidade, que impossibilitou a entrada das tropas rivais.

Um lugar que preserva e divulga essa história é o memorial padre Cícero. Lá, é possível encontrar o canhão da guerra de 1914, que pertencia às tropas de Fortaleza e foi capturado pelos cangaceiros que defendiam Juazeiro. As salas também expõem objetos, vestes e quadros que ajudam a entender um poco mais deste ícone religioso e político.

Outro fato que marca o legado como prefeito é a relação entre o padre e Lampião, o cangaceiro. Para muitos, inadmissível. Apesar de tantas arestas, não resta dúvidas que ele foi um dos mais importantes líderes políticos daquele lugar.

Até que, com a saúde abalada, aos 90 anos, em 20 de julho de 1934, padre Cícero completou a missão na Terra. Segundo o atestado de óbito, assinado por dr. Mozart Cardoso de Alencar, padre Cícero morreu às 7h, tendo como causa paralisia intestinal.

O Caixão foi levado pelo ares, nas mãos da imensa e triste multidão: o Nordeste fica órfão. O padre morreu sem o perdão da igreja. O perdão pode ter demorado, mas a igreja católica no Nordeste tem esperanças.

Até hoje se continua a apreciar os caminhos e ensinamentos do homem que falou de fé e de trabalho, e que mudou a vida das pessoas como se possuísse uma força milagrosa. Pela história, dá para ver que padre Cícero foi mais do que santo, foi um herói para os que se sentiam esquecidos e menos favorecidos e continuará, pela vontade do povo, a ser enaltecido e venerado como merece.