Um conflito entre povos que lutam pela posse de terras em meio ao Sertão pernambucano. Uma briga judicial que fez do campo praça de guerra. Dois lados, dois povos, duas versões e um só desejo: viver em paz.
A pacata cidade de Jatobá, no Sertão pernambucano, a mais de 450 quilômetros do Recife, virou espaço de um conflito de terras, uma disputa judicial entre agricultores e indígenas da etnia Pankararu, que agora chegou em um nível nunca antes visto na história da região.
A etnia Pankararu se concentra na divisa de três municípios: Jatobá, Petrolândia e Tacaratu. Após anos de luta, em 2018, os índios ganharam judicialmente em todas as esferas. Portanto, têm direito de retomar as terras que estavam sendo habitadas por agricultores da região.
Para entender o conflito, porém, é preciso voltar no tempo, quando foi construída a barragem de Itaparica, em Petrolândia. Com a inundação das terras, muitos agricultores se instalaram no território vizinho, tomando posse de uma vasta e produtiva área que já pertencia aos Pankararus.
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"Se existe um vilão, se existe um culpado, é o próprio estado brasileiro que nos dá as condições. Nem para nós indígenas nem para as famílias de agricultores. Mas a gente tramitou em todos os processos, respeitando a ordem jurídica do país e a constituição", disse o coordenador executivo da Apoinme, Vasco Pankararu.
Com a causa ganha, as terras foram devolvidas e os posseiros, expulsos. A operação feita pela Polícia Federal foi registrada em vídeos que viraram manchetes. Caminhões de mudança chegaram em comboio para a retirada dos posseiros que não aceitaram as negociações que vinham sendo feitas com os órgãos federais e resistiram até o dia em que foram retirados das casas à força.
Índios e ex-posseiros vivem agora em constante clima de tensão, que envolve ameaças, medos e julgamentos. Pelo menos 10 nomes de líderes do povo Pankararu foram citados em uma placa com uma lista de índios marcados para morrer. A placa foi fixada nas terras devolvidas aos indígenas.
Os indígenas acreditam que trata-se de algo feito pelos ex-posseiros. "Dizer que a pessoa não tem medo quando está ameaçado, marcado para morrer, eu vou dizer que eu estou mentindo", afirma o cacique Pedro Monteiro.
Em uma comunidade chamada Bem Querer de Cima, que já foi ocupada pelos posseiros, ainda há vestígios de onde os posseiros viviam. Ao sair, eles destruíram algumas residências. Uma igreja em homenagem a Nossa Senhora da Saúde também foi danificada.
Também foram alvo de vandalismo o posto de saúde e a escola da comunidade. Segundo os índios, os ataques também surgem no campo. Cercas de arames cortados, invasão de animais, destruição de árvores. Algumas plantações estão com refletores instalados para inibir o ataque do inimigo à noite.
Com o nome na lista da morte, uma indígena que preferiu não ser identificada é liderança de uma das comunidades onde houve a desintrusão. Apesar de todo o temor, ela reconhece que nem todos os posseiros são considerados ameaça.
"Muitos que saíram também das terras indígenas saíram numa boa. Eles receberam suas indenizações, alguns procuravam o povo Pankararu, com o povo da Funai, para sair", contou. A retirada dos posseiros das terras começou com negociações amistosas no ano de 1994. A medida que iam saindo, recebiam indenização pelos bens construídos até aquele ano.
O coordenador da Funai na aldeia Pankararu, José Cordeiro, foi uma espécie de apaziguador do conflito. "A Funai me dá o apoio e eu estou aqui dando cobertura aos índios. Estamos juntos".
Outro lado
Alguns agricultores que moravam no Bem Querer de Baixo acreditam que foram injustiçados. "Eu tenho o entendimento e todo mundo sabe que a gente nunca pegou nada de ninguém, tudo aquilo sempre foi da nossa família. Não me considerado ex-posseira, me considerado ex-moradora", desabafou Izabel Cristina.
O grupo da resistência em sair da comunidade acredita que a indenização foi injusta, bem como a falta de diálogo com o Estado. "Não era questão de não querer sair, era que a gente não tinha para onde ir, não tinha essa garantia", explicou. Os agricultores afirmam ainda que os casos de violência foram isolados, uma vez que havia 302 famílias no local.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) André Estima informou que após representação por parte dos índios, o caso está sendo acompanhado.