Como a Moura Dubeux superou a sua maior crise em 40 anos, com a ajuda de um engenheiro prata da casa
Blog de Jamildo traz um perfil especial com o CEO da Moura Dubeux Diego Villar. A empresa pernambucana completou 40 anos, em alta
O engenheiro civil soteropolitano Diego Villar com regularidade, faça sol ou faça chuva, acorda ainda de madrugada e sai para correr mais de 20 quilômetros em uma BR da Região Metropolitana do Recife. Depois de ter feito vários esportes, dentre eles a natação, o kite surf, musculação, é no maratonismo que o executivo de 41 anos encontra espaço para combinar paixão com o exercício mental da perseverança, trabalho duro e resiliência, exatamente como acontece no mundo dos negócios.
"Na minha vida pessoal, eu tenho poucas escolhas, família, trabalho e atividade física. Cada uma tem seu momento e o dou a elas o melhor de mim", explica exclusiva ao blog de Jamildo, Diego Villar, 12 anos no Recife, onde chegou aos 28 anos, hoje um dos responsáveis pelo reposicionamento da tradicional construtora pernambucana Moura Dubeux.
O caminho para a reinvenção muitas vezes pode ser acidentado. A jornada, em situações ainda piores, pode ter variados obstáculos. Numa empresa familiar de 40 anos, manter uma direção com consistência e resistência, mesmo contando com uma bússola interna clara a orientar todas as decisões e ações, não foi tarefa fácil.
Fraturas por estresse
O executivo conta que, até 2014, o mercado imobiliário nacional e regional era um mar de rosas, passava por um boom, em que havia até dificuldade de contratar mão de obra e fornecedores, de tão aquecido que estava o mercado de infraestrutura. A empresa surfou esta onda, mas não teve tempo de colher bons resultados porque logo depois, já no governo Dilma, veio a crise econômica, e com ela, juros altos, inflação e o efeito da Lava Jato nas principais empreiteiras nacionais.
Com a frustração das vendas em um ambiente de insegurança econômica, aconteceram vários distratos no mercado imobiliário. Como todas as outras, a MD andou de lado, por ter tomado dívidas para crescer. "Era a combinação perfeita para trazer um grande problema para as incorporadoras", relembra. Como acontece no esporte, correr longas distâncias pode levar a uma variedade de lesões, quando uma determinada parte do corpo é submetida a um estresse repetitivo sem tempo suficiente para se recuperar e reparar. É se levantar e continuar, ou ficar para trás e ser derrotado.
Para piorar a situação, entre 2015 e parte de 2016, por conta dos efeitos negativos da crise financeira que o pais vivia, empresas regionais como a Cyrela, Gafisa e PDG, buscando fortalecer o caixa, abandonaram o mercado de construção do Nordeste, o que em princípio poderia ser um ativo, acabou se tornando um problema. Elas saíram queimando preços, vendendo mais barato do que puderam construir, ajudando a despencar os preços para as que ficaram.
No auge da crise, devolução de terrenos, fim de parcerias em participações e demissões foram necessárias. A despesa com pessoas, por exemplo, foi cortada de R$ 82 milhões para R$ 34 milhões por ano. "Aí mergulhamos na nossa maior crise. A gente precisou reestruturar a companhia e buscar capital externo", conta Villar.
"Com o governo Temer e a implantação do teto de gastos, equilíbrio fiscal e redução de juros, voltamos a uma trajetória de equilíbrio. Precisamos de muita calma e sangue frio. A crise é ocasional. É como o mar e suas marés, sobe, desce e uma hora encontra seu ponto de equilíbrio", cita o executivo, que entrou na engenharia de obras, virou financeiro do grupo em 2017 e depois passou a CEO em meio a toda essa borrasca. "Medo naquele momento? Não. O ambiente de dificuldades acaba sendo bom, pois nos permite evoluir. Não gosto muito de calmaria, porque pode nos levar à acomodação. Como diz o ditado, tempos difíceis forjam pessoas melhores".
O melhor: o mercado do Nordeste estava um campo aberto, livre dos grandes competidores, como a PDG, Cyrela e Gafisa. Com uma marca forte, conhecimento do mercado da região, boa capacidade de execução de projetos, e um mercado sem estoque, era hora de voltar a crescer.
O turning point veio em junho de 2019, com uma reportagem do valor econômico mostrando que uma grande incorporadora de São Paulo estava montando um IPO (jargão do mercado financeiro para uma oferta pública inicial (IPO) com abertura de capital). "Era hora de desonerar nossos ativos e nós sabíamos que o tempo de recuperação poderia ser mais longo ou mais curto (entre 2019 e 2024). Fomos na Europa e Estados Unidos em busca de investidores e nos tornamos a primeira empresa de construção do Norte/Nordeste a abrir capital no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo".
Cultura e experiência
Nesta fase, depois de 38 anos de história como empresa familiar, a Moura Dubeux ganha acionistas como sócios no capital. As três grandes lideranças da tradicional empresa pernambucana, Aluísio, Gustavo e Marcus Dubeux, foram levados ao conselho de administração do grupo.
"Quando abrimos capital, havia mil empregados. Hoje temos cinco mil e quinhentos. Dois anos depois, temos R$ 1,8 bilhão em lançamentos. No setor, entre as três empresas que entregam resultados, somos uma das mais bem avaliadas. Tudo foi feito com o alinhamento de uma cultura tradicional. Ganhar dinheiro é consequência, o mais importante é o valor que entregamos para as pessoas, a casa dos sonhos delas", explica.
A companhia hoje atua em sete estados do Nordeste (PE, RN, CE, SE, PB, AL, BA). Este ano, quando comemora 40 anos de fundação, a MD expandiu-se para Sergipe e Paraíba. Atualmente, detém aproximadamente 20% do market share da região e é a única no mercado capaz de promover lançamentos simultâneos onde opera. "Ajudou muito ter uma hierarquia clara de objetivos, aderir consistentemente ao seu propósito de alto nível e alinhar as suas metas em todos os níveis".
Nova marca para um novo mercado
Navegando no mercado de imóveis de alto padrão, o sucesso recente da empresa deve-se a uma aposta firme nos imóveis de médio padrão, para a classe média, correndo por fora em uma estrada mais larga, pouco trafegada pelos concorrentes nacionais. Assim nasceu a Mood, outra empresa e outra marca, dentro da Moura Dubeux, voltada para os imóveis na faixa dos R$ 350 mil a R$ 500 mil. Os imóveis do Minha Casa Minha Vida, individualmente, representam 15% das vendas do Nordeste, é verdade, mas os imóveis a que se destinam a Mood são o maior mercado da região, representando 20% de tudo que foi vendido no Nordeste nos últimos cinco anos.
Curiosamente, a estratégia foi desenvolvida pelos próprios funcionários, com sugestões advindas da experiência acumulada. "Jogamos o problema para os squads e eles nos deram as soluções, como a retirada do pé direito duplo, para reduzir custos, garden agregando valor, academia, com paisagismo e facilidade para pagamento", explica. "O que não abrimos mão é que tenhamos sempre o melhor projeto do bairro. Se não tiver, volta todo o projeto para prancheta e refaz". O teste foi com o edifício Arboré, sucesso de vendas na nova faixa de renda.
Fruto deste trabalho de diversificação, em outubro do ano passado, o grupo também lançou a MD Store, apostando em uma nova fonte de renda, sim, mas, mais importante, buscando mais uma forma de fidelizar o cliente. Ao acompanhar a jornada do cliente, a empresa detectou que uma boa parte recebia o apartamento pronto e depois ainda iria buscar uma personalização. "Com a iniciativa, ele não precisa reformar, não precisa quebrar e ainda pode pagar de forma parcelada".
Obsessão pelo cliente
Como o mantra da empresa é oferecer a melhor experiência aos seus clientes, a MD começou a investigar seriamente toda a jornada do cliente, definir os pontos de contato e buscar oferecer situações de encantamento. Numa operação imobiliária, com cinco anos para receber um imóvel, outros cinco podem ser gastos no pós-venda. "Ele é o centro de nossa existência e merece receber a melhor experiência. Não é à toa que criamos o Universo Cliente MD", diz Villar.
Nos 45 canteiros de obras da empresa, existem salas do cliente montadas, para recepcionar ocasionais visitas às unidades antes das entregas. Na visita às obras, por exemplo, os clientes são recebidos até com um perfume padronizado no ar. A concepção, o visual clean, são todos iguais. Em caso de problemas, o cliente reclama por um aplicativo, pode filmar e enviar, e a empresa se propõe a resolver em 24 horas. “Caso haja uma reclamação mais grave, eu mesmo ligo para o cliente para saber o que aconteceu e encontrar a melhor forma de resolver o problema. Quero saber o que foi que aconteceu de errado. Não brigamos com o cliente, fidelizamos".
Desenvolvendo paixão, propósito e perseverança em vários campos
Villar conta que um dos desafios do reposicionamento foi implantar novas rotinas e estabelecer a cultura da empresa. "Nós focamos nos hábitos diários que nós precisamos para chegar lá onde nos planejamos. É como o treinamento para uma maratona, é a jornada de treino diário que nos leva à linha de chegada. As pessoas que não se alinham naturalmente vão saindo. As pessoas não são colocadas em caixinhas. O pedreiro dos nossos canteiros sabe que não constrói apenas mais uma parede, ele constrói o pedaço de um sonho", revela.
Como acontece numa equação financeira trazida a valor presente, o planejamento de anos do grupo é dividido em projetos, com a ajuda do modelo OKR. Depois, meses e semanas. Até mesmo o uso das horas. "É preciso ficar claro quais são as nossas ideias, que planejamento, como vai ser a execução, os métodos e o controle (acompanhamento). Nós temos aqui, toda sexta-feira, uma live ao vivo com toda a empresa, chamada Acontece MD, para um alinhamento com todos os colaboradores. Todo mundo sabe o que está sendo feito". Já são mais de 300 edições. "Com bom humor, foi apelidada de Programação da Globo (seguida à risca)", diverte-se.
Garra na mesa de cabeceira
E como se alimenta o espírito com tenacidade, para as jornadas mais longas e penosas? Villar sempre sugere a quem ama ler um livro americano que não sai de sua cabeceira: Grit (Garra, em uma das acepções), da autora americana de origem asiática Ângela Duckworth. "É uma lição de garra, determinação, persistência", aconselha.
O livro explica por que o esforço significa mais do que o talento quando se trata de alcançar objetivos de longo prazo, como cultivar a coragem através da prática e como encontrar um equilíbrio entre dor e prazer durante a prática e, por último, mas não menos importante, como ajudar seus entes queridos, pessoas para construir coragem e alcançar objetivos de longo prazo. "Garra é viver a vida como se fosse uma maratona, não um sprint", afirma a professora Ângela Duckworth, em uma palestra no TED Talks. "Grit é o trabalho duro para fazer do futuro uma realidade".
Aposta nacional
Como sete dos nove mercados em que atua regionalmente ainda oferece espaço para crescimento além dos R$ 1,8 bilhão em vendas por ano, a empresa não pensa, por ora, em crescer no mercado nacional, embora não descarte a iniciativa. "Não queremos nos aventurar neste momento, temos orgulho de sermos nordestinos, temos relevância no mercado nacional operando no Nordeste, mas, como vivemos de ambições, não descartamos no futuro".
A comemoração de uma vitória em uma maratona pode variar muito dependendo do corredor. Muitos maratonistas veem a simples conclusão da corrida como uma vitória em si e comemoram o fato de terem conseguido completar um desafio tão difícil. Afinal, correr uma maratona requer meses de treinamento e preparação, e cruzar a linha de chegada é um testemunho da força, resistência e determinação do corredor. Cruzar a linha de chegada, podendo levantar os braços em vitória, em uma maratona de 40 anos, deve ter um sabor a mais.