BPC: gasto sobe 37% em dois anos e governo faz pente-fino contra fraudes

Aumento teve início durante o governo Bolsonaro e continuou sob o governo Lula, que anunciou medidas para combater fraudes no programa

Publicado em 16/07/2024 às 10:35

O investimento do governo federal no Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, aumentou em 37% nos últimos dois anos.

Esse aumento teve início durante o governo Bolsonaro e continuou sob o governo Lula, que anunciou medidas para combater fraudes no programa.

O que aconteceu?

Em junho de 2022, o programa custava R$ 6,2 bilhões, ajustados pela inflação. Em contrapartida, em junho deste ano, o custo subiu para R$ 8,5 bilhões, refletindo um crescimento significativo.

Este ano, os gastos com o BPC devem ultrapassar R$ 100 bilhões pela primeira vez desde sua implementação nos anos 1990.

As projeções indicam que em 2028 esse valor pode chegar a aproximadamente R$ 160 bilhões, conforme previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, submetida pelo Executivo ao Congresso.

O aumento nos custos do BPC é principalmente atribuído ao aumento no número de beneficiários, que passaram de 4,7 milhões em junho de 2022 para 5,9 milhões em junho de 2024, um aumento de 26%.

Em comparação, o número de beneficiários do Auxílio Brasil/Bolsa Família cresceu menos no mesmo período, 15%.

Outro fator que contribuiu para o aumento dos gastos foi o reajuste no valor do benefício, que corresponde a um salário mínimo. Sempre que o salário mínimo é ajustado, os gastos com o BPC também aumentam proporcionalmente.

O crescimento nos gastos com o BPC começou no governo Bolsonaro, próximo às eleições de 2022, coincidindo com os ajustes no Auxílio Brasil.

O número de beneficiários do BPC havia permanecido estável nos quatro anos anteriores, desde 2018, até começar a aumentar subitamente em julho de 2022.

Nesse mesmo período, o Auxílio Brasil (sucessor do Bolsa Família no governo Bolsonaro) foi elevado para R$ 600, o que resultou em um aumento significativo no número de beneficiários.

Sob o governo Lula, o crescimento no BPC continuou, enquanto o retorno do Bolsa Família foi acompanhado por uma revisão dos cadastros para combater fraudes.

Após a adoção dos R$ 600 por beneficiário no Auxílio Brasil, surgiram evidências de fraudes em massa, com a maioria dos novos beneficiários declarando viver sozinhos.

O governo Lula iniciou um processo de revisão dos cadastros e cortou quase dois milhões de beneficiários suspeitos.

Atualmente, a equipe econômica do governo Lula indicou planos para um pente-fino no BPC. Em 3 de julho, diante da volatilidade do dólar, o ministro da Economia, Fernando Haddad, anunciou cortes de R$ 25,9 bilhões em despesas, incluindo uma revisão minuciosa dos benefícios sociais, com o BPC sendo um dos alvos.

"Foram examinadas linha por linha no orçamento, para alinhar com os princípios dos programas sociais que foram criados", disse Haddad. O Ministério da Fazenda não divulgou ao UOL o montante específico que será cortado do BPC.

A partir de agosto, está prevista a revisão de benefícios para cerca de 800 mil pessoas, incluindo o BPC, realizada pelo INSS, responsável pela concessão do benefício, especialmente para pessoas com deficiência, que requerem perícia.

A equipe do UOL solicitou informações sobre o número exato de revisões planejadas para o BPC, mas o INSS não respondeu. Benefícios como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez também estão sendo alvo de revisão.

No entanto, a revisão do BPC não será tão simples quanto a do Bolsa Família. Não há indícios de fraudes tão óbvios quanto os observados no Auxílio Brasil de Bolsonaro.

Além disso, para os beneficiários com deficiência, que compõem 55% do total do BPC, os pedidos são submetidos a uma avaliação detalhada pelo INSS, o que representa uma camada adicional de controle em comparação com outros programas sociais.

O que está por trás da alta?

O número de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) está aumentando em todo o país, com variações significativas em diferentes estados.

Em Roraima, por exemplo, houve um aumento impressionante de 108% no número de idosos recebendo o BPC nos últimos dois anos, comparando abril de 2022 e abril de 2024, o último mês com dados estaduais disponíveis. Em contrapartida, o crescimento nacional foi de 22% no mesmo período.

A inclusão de idosos venezuelanos que chegam ao Brasil através de Roraima é um dos fatores que contribui para esse aumento.

No Rio de Janeiro, o número de pessoas com deficiência recebendo o BPC aumentou em 44% desde 2022, enquanto na capital, Rio de Janeiro, o crescimento foi ainda mais expressivo, atingindo 57%, muito acima da média nacional de 26%.

O INSS no estado informou que tem trabalhado para reduzir a fila de espera para o benefício, resultando em uma resposta mais rápida e eficiente aos cidadãos.

Existem diversas razões legítimas para o aumento no número de beneficiários do BPC. Durante o período de 2018 a 2022, o programa se manteve estável, o que pode ter represado a quantidade de novos benefícios concedidos. Esse período foi o único na série histórica do BPC sem crescimento no número de beneficiários.

Além disso, o envelhecimento da população brasileira naturalmente implica um aumento no número de idosos, o que também impacta diretamente o aumento do BPC, assim como ocorre com a Previdência Social.

A concessão do BPC para pessoas autistas também está em ascensão, seguindo o aumento nos diagnósticos de autismo no país.

Em 2018, aproximadamente 5% dos novos benefícios eram destinados a pessoas com autismo, número que hoje ultrapassa 20%.

A judicialização também desempenha um papel significativo no crescimento do BPC, com mais de 400 mil pessoas que tiveram o benefício inicialmente negado pelo INSS conseguindo reverter a decisão na Justiça e agora recebendo o benefício. Muitos desses casos envolvem famílias cuja renda supera ligeiramente o limite estabelecido para o BPC.

A partir de 2020, uma nova regra permitiu o pagamento de dois benefícios de um salário mínimo por família, em vez de apenas um, expandindo as possibilidades de recebimento do benefício.

Anteriormente, somente famílias com dois idosos poderiam receber dois BPCs, mas agora outras configurações familiares também são elegíveis, como uma família com um idoso e uma pessoa com deficiência, ou uma combinação de aposentadoria e BPC.

Esses fatores combinados contribuem para o crescimento contínuo e significativo do número de beneficiários do BPC em todo o Brasil, refletindo as dinâmicas sociais e as políticas públicas em evolução.

BPC

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) figura como um dos principais pilares dos programas sociais no Brasil. Lançado nos finais dos anos 1990, ele se destaca não apenas por sua longevidade, mas também pelo substancial orçamento que historicamente recebeu.

Foi somente a partir de julho de 2022, com o incremento do Auxílio Brasil para R$ 600, que o BPC passou a ocupar o segundo lugar em volume de despesas.

Para se qualificar ao BPC, a renda mensal per capita da família não pode ultrapassar R$ 353, equivalente a um quarto do salário mínimo vigente.

Não são considerados no cálculo os valores recebidos pelo Bolsa Família ou por outro benefício que seja equivalente a um salário mínimo.

Além disso, é possível deduzir parte dos gastos com saúde da renda familiar total, facilitando o acesso ao benefício para aqueles que necessitam.

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