Dengue: um desafio recorrente e as novas armas para combatê-lo

Brasil acumula mais de 400 mil casos prováveis da abovirose em 2025; novas descobertas científicas podem ajudar no combate à doença.

Publicado em 14/03/2025 às 16:17 | Atualizado em 14/03/2025 às 16:49
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Por mais um ano, os brasileiros se deparam com a ação de um “inimigo” natural e recorrente: o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. Portador da doença e de outras arboviroses, como a zika e a chikungunya, o Aedes já causou mais de 502 mil casos prováveis de dengue no país este ano, incluindo 235 óbitos, segundo dados do Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, divulgados no último domingo (9).

Os números divulgados mostram ainda como, nos últimos três anos, os casos se concentraram nos primeiros meses do ano, de janeiro a maio. Ainda que o número de casos até o momento tenha diminuído em relação a 2024, estados como Acre e Mato Grosso apresentaram mais de 400 casos a cada 100 mil habitantes. Em São Paulo, foi decretada em fevereiro emergência em saúde pública por conta do agravamento da epidemia.

No ano passado, o Brasil acumulou por volta de 40% de todos os casos de dengue em todo o planeta. São números que chamam a atenção para a importância de manter as ações de prevenção e combate já estabelecidas e também destacam a necessidade de desenvolver novas soluções. E quando o assunto é inovação e prevenção, a ciência nacional tem conquistado avanços promissores.

Extrato larval: uma possível nova forma de prevenção

Gabriel Bezerra Faiersten/Divulgação
Imagem da contagem de ovos do Aedes aegypti nos testes da nova isca. - Gabriel Bezerra Faiersten/Divulgação

O Ministério da Saúde segue orientando o público a tomar as precauções já conhecidas, como evitar o acúmulo de entulho, guardar pneus em locais cobertos e manter reservatórios de água tampados. Além disso, a atuação dos agentes de saúde e os de endemias também é peça chave no combate à dengue. Mas uma possível nova arma foi descoberta: um novo tipo de isca para armadilha de Aedes aegypti.

Iniciativa do Instituto Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco, em parceria com a Universidade da Califórnia em Davis, a pesquisa desenvolveu em testes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) uma nova isca de baixo custo. Ambientalmente, a substância é feita com o extrato larval do mosquito, e seu uso busca uma captura de ovos do mosquito de forma mais eficaz em armadilhas para esse fim. Publicado na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências, o estudo elaborou um composto que atrai não só o Aedes, mas também o Culex quinquefasciatus, o pernilongo comum.

Funciona assim: as larvas dos mosquitos secretam substâncias indicativas de que determinado local possui maior chance de sobrevivência e que pode ser utilizado para pôr novos ovos. Dessa forma, quando se utiliza nas armadilhas o extrato produzido com base nas larvas, as fêmeas tendem a depositar mais ovos nelas, e há uma redução no quantitativo de ovos que seria depositado em outros locais.

A armadilha conta ainda com o larvicida biológico Bti, seguro para humanos, animais e plantas, como explica Gabriel Bezerra Faierstein, pesquisador visitante do Instituto e um dos autores do artigo. "Nós apresentamos uma nova isca para coletar ovos de mosquitos, barata e sustentável, que tem potencial para coletar quase o dobro de ovos e que pode intensificar a redução desses mosquitos no controle integrado de vetores", destaca.

Divulgação/Gabriel Bezerra Faierstein
No estudo, larvas do Aedes foram desidratadas; os recipientes com seu extrato apresentaram mais fêmeas pondo ovos do mosquito que recipientes apenas com água. - Divulgação/Gabriel Bezerra Faierstein

Em geral, iscas letais e armadilhas para o mosquito não são pensadas para uso direto da população, e sim, exclusivamente, do Ministério da Saúde e das secretarias especializadas. Os cidadãos devem fazer sua parte na prevenção do mosquito por meio das estratégias já conhecidas, uma vez que as iscas citadas, se empregadas de forma não especializada, podem se tornar criadouros de mosquitos.

“O conhecimento obtido com esse estudo abre portas para pesquisas que possam identificar e isolar os compostos presentes no extrato, responsáveis por estimular os mosquitos a depositarem mais ovos. A produção de uma isca sintética, inspirada em elementos naturais, pode resultar em um produto ambientalmente seguro e mais eficiente, pois possibilitaria um melhor armazenamento e a implementação de uma logística que facilite sua distribuição em larga escala”, destaca Gabriel

O pesquisador ressalta a importância dos investimentos públicos em pesquisas para a inovação e capacitação de profissionais especializados neste grande desafio que é o combate à dengue e outras arboviroses. A tarefa se torna especialmente complexa frente aos diversos atravessamentos do tema na atualidade.

Entre os principais desafios elencados pelo profissional quando o assunto é a dengue, estão: o crescimento urbano desordenado, que favorece o surgimento de criadouros do mosquito; a resistência dos mosquitos aos inseticidas, devido ao uso em excesso das substâncias; e o aquecimento global, que diminui em cerca de dois dias o tempo necessário para que o mosquito atinja a fase adulta.

“É fundamental reconhecer as limitações e potencialidades tanto da pesquisa quanto da gestão pública. Enquanto a pesquisa desenvolve soluções inovadoras e viáveis, a gestão pública precisa implementar essas soluções de forma efetiva, garantindo que as medidas de controle sejam amplamente aplicadas”, pontua.

Em Pernambuco, casos aumentam em relação a 2024

FREEPIK
Zika, dengue e chikungunya estão entre as arboviroses que têm como vetor o mosquito Aedes aegypti - FREEPIK

Em Pernambuco, novos casos de dengue continuam sendo registrados. Segundo informe epidemiológico de arboviroses da Secretaria de Saúde de Pernambuco, o estado já acumulou 3007 casos prováveis, de 29 de dezembro a 22 de fevereiro. O quantitativo inclui casos confirmados e em investigação, representando um aumento de 50,95% dos quadros em Pernambuco em relação ao mesmo período de 2024. A maior incidência de casos prováveis acontece entre a população parda (62,7%) e entre homens e mulheres de 20 a 29 anos.

Para a estudante de jornalismo Laura Lay, que contraiu a doença recentemente, o processo de diagnóstico realizado em rede privada, foi um tanto demorado. “Ao todo, foram sete dias com a doença evoluindo, e só depois de 10 dias foi comprovado pelo exame”, destacou. Calafrios, vômito e dores nas articulações completaram a lista de sintomas. “Assim que tive [a dengue], conversei com amigos e médicos conhecidos. Muitos comentaram sobre o aumento dos casos recentemente, ou que inclusive contraíram”, ressalta.

Laura considera possíveis acúmulos de água nas várias plantas domésticas em seu apartamento na Rua da Aurora como uma provável causa para a infecção. “Quando contraí a doença, nós redobramos o cuidado com o acúmulo de água nas plantas e em outros lugares da casa. Acho que essa atenção, juntamente com a vacinação devidamente realizada dos familiares, seria um bom exemplo de cuidados dentro de casa”, pontua.

No caso da pedagoga Kayane Cristina, o alvo do Aedes Aegypt foi Theodoro, seu filho de 5 anos. Falta de apetite, febre persistente, e manchas pelo corpo foram alguns dos sintomas apresentados pela criança, que é hemofílica e também apresentou inchaço nas articulações durante o quadro de dengue. Quatro semanas foram necessárias para a plena recuperação de Theodoro.

“Costumamos frequentar parques públicos, e muitas vezes tem poças d'água espalhadas. Cuidar da drenagem nesses locais também é de suma importância para evitar focos de dengue”, pontuou a moradora da Mangabeira, destacando a importância da atuação do poder público na prevenção da enfermidade.

Ao observar um grande quantitativo de casos da doença no passado, Kayane revela ter tomado precauções especiais em sua casa para afastar o mosquito. “Tomamos a medida de ter caixas como reservatórios, pois ficam sempre fechadas e minimiza os focos que poderíamos ter com baldes e essas coisas. Mas infelizmente nem toda a população tem o privilégio de poder optar por isso, então acho que ainda assim a melhor opção [para a população] seria revisar reservatórios e fechar e vedar bem”, destacou.

Vacina contra a dengue: um caminho para a prevenção

Rodrigo Nunes/MS
A dengue é uma arbovirose e vem sendo combatida desde a década de 80 - Rodrigo Nunes/MS

Kayane revelou não ter conhecimento de uma das armas mais recentes contra a proliferação do mosquito: a vacina da dengue. Disponível no SUS desde fevereiro de 2024, o imunizante já chegou a 1.921 municípios, segundo a Agência Brasil. Fabricada pela Takeda, a vacina Qdenga é ofertada no SUS em duas doses para crianças de 10 a 14 anos. A vacinação é realizada por meio de demanda espontânea nas unidades de saúde dos municípios contemplados.

As vacinas são encaminhadas pelo governo a municípios com 100 mil habitantes ou mais que tiveram alta transmissão nos últimos 10 anos. De acordo com o Ministério da Saúde, taxas elevadas de transmissão nos últimos meses também são um fator considerado na destinação. No Brasil também é possível ter acesso a outra vacina para a doença, a Degvaxia, de forma privada.

Em Nota Técnica de fevereiro, o Ministério da Saúde autorizou a ampliação da faixa etária para todos os estados e o Distrito Federal. No Rio de Janeiro, já é possível vacinar pessoas de 10 a 16 anos. Porém, capitais como Belo Horizonte, Brasília, Natal e Recife anunciaram que não ampliarão a faixa no momento. A depender das determinações locais, podem tomar a vacina Qdenga pessoas de 4 a 59 anos, pois a eficácia da vacina em maiores de 60 anos ainda não foi devidamente comprovada pelas pesquisas.

Até o momento, enquanto a cobertura ultrapassa os 60% em capitais como Aracaju (SE) e Vitória (ES), o Recife conta com uma cobertura considerada baixa. Apenas cerca de 24,8% do público-alvo tomaram a primeira dose da vacina. E em relação às duas doses, que garantem a cobertura imunológica completa disponibilizada pelo imunizante, o número cai para 6,5%, segundo dados da Agência Brasil.

No último dia 25, o governo anunciou a produção em larga escala de uma vacina nacional e de dose única contra a dengue. Produzido por meio de parceria entre o Instituto Butantan e a empresa WuXi Biologics, o imunizante será disponibilizado por meio do Programa Nacional de Imunizações. A previsão é que 60 milhões de doses anuais sejam disponibilizadas a partir de 2026. “Se fizer parte do calendário nacional de vacinação, com certeza quando meu filho tiver idade vai tomar”, destacou Kayane.

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